Acontece de o pastor crer-se obrigado a dizer em sua próxima pregação, tudo o que ele pode tirar de suas profundezas íntimas. Ou então ele está embaraçado porque não sabe bem qual mensagem particular é preciso apresentar. Nem uma nem outra destas situações deve ser levada a sério. Tudo o que ele deve dizer ser-lhe-á dado, é preciso que ele o saiba. Que ele refreie então um pouco o que lhe vai no espírito, e que ele escute. Ou então que ele se deixe consolar por Aquele que dá o que ele pede. Não temos nós o Velho Testamento e o Novo Testamento? Há então alguma coisa a dizer?
As Escrituras estão diante de nós. Há duas coisas a considerar: o que se deve fazer, e o que não temos o direito de fazer. Cada vez que escolhemos um texto, estamos diante da decisão: obedecer ou desobedecer à Palavra, o próprio Deus. Nós desobedecemos quando imaginamos poder colocar-nos diante da Escritura com nossa liberdade própria e nosso poder autônomo. Se nós nos colocamos verdadeiramente à disposição de Deus, a obediência será para nós um guia em nossa escolha.
Não deve ser questão de colocar a mão arbitrariamente sobre a Escritura, e procurar aí um texto que nos seja cômodo, que parece convir ao que gostaríamos de dizer. O texto não poder tratado de acordo com os nossos desejos. É ele que comanda, e não nós. Ele está acima de nós e nós estamos ali para servi-lo. Para evitar que nos desencaminhemos, tanto quanto possível retenhamos as seguintes anotações:
1) Não escolher um texto muito curto. Se não se toma cuidado, o perigo assinalado seria maior que com um "perícope". Por exemplo, não destacar a primeira bem-aventurança. Ou então I João 4.16 que pode tentar-nos a utilizá-lo a serviço de nossa própria eloqüência, em lugar de nos deixar conduzir pelo que se disse. Acrescentemos contudo, que se a pregação é essencialmente explicação bíblica, ela desviará o perigo dos textos curtos.
2) Tomemos cuidado com os textos que passam por fáceis e que são freqüentemente citados. Assim, na comemoração da Reforma, não desvirtuar arbitrariamente o sentido de Gálatas 5.1, e no dia de Finados não dar a João 11.3 e 16 um outro sentido que o imposto pelo contexto. O poder luminoso de uma palavra bíblica permanecerá sempre maior no contexto desejado por Deus, que nos discursos que podem ser belos e interessantes, mas que fazem violência à Palavra de Deus.
3) Nada de alegoria. Não exercitar nossos talentos sobre a Palavra. Impede-se assim que ela ecoe claramente. Tomar cuidado também para não deixar falar nossa individualidade nem nos estendermos sobre nossa situação pessoal, por exemplo, nas imagens, parábolas, ou histórias já ultrapassadas.
4) A pregação não deve ser um discurso utilitário. Não servir-se do Salmo 96 para aconselhar a melhora do canto ou tirar uma propaganda para a música.
5) Para evitar a volta freqüente às mesmas passagens, poder-se-ia ter uma lista baseada no ano eclesiástico ou então fazer uma série de pregações sobre um mesmo livro. Pode resultar de contatos repetidos com a Escritura que algumas passagens se imponham ao pregador como um mandamento, porque é lógico que o pastor consulte a sua Bíblia em outras ocasiões que a da pregação.
6) Não se pode fazer ao mesmo tempo uma pregação sobre um assunto (pregação temática) e sobre um texto (homilia) . No quadro da Igreja não temos que expor princípios cristãos ou outros assuntos deste gênero. O que temos que entender é o que Deus diz à Igreja, o que constitui fundamento e educação. Se desejamos ganhar pessoas ainda estranhas à Igreja (quer se trate de evangelização ou missão) então comecemos por não fugir ao serviço que nos é entregue.
7) Evitar dar ênfase especial às comemorações ou eventos particulares. O que fosse útil assinalar à comunidade poderia encontrar eco na pregação, mas poderia também passar em branco. Isso não dependerá da vontade própria do pregador, mas da exigência que a Palavra de Deus lhe impõe. A escritura deve ter um lugar claro no espírito do pregador. Para isso, deve submeter-se a uma rigorosa disciplina. Não entendamos senão o que diz a Palavra, não o que o grande púbico, a pequena comunidade ou nosso coração desejariam entender.
Fonte: A Proclamaçao do Evangelho - Karl Barth
os pregadores as veze não consulta o espiri
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